Catástrofes, pobres, políticos.
Alguns dias após os trágicos acontecimentos da região serrana do Estado do Rio de Janeiro, após vermos e revermos descrições, fotos, vídeos e os desdobramentos do terrível acontecido, é chegado o momento de recuperar nossa sobriedade.
Iniciemos por respirar profundamente por algumas vezes, oxigenando nosso cérebro, permitindo que as sinapses se realizem efetivamente. Movimentemos nossos braços e pernas, permitindo uma boa e eficiente circulação sanguínea, limpando e hidratando nossos órgãos. Ao contrário provocaremos catástrofes orgânicas, de dimensões imprevisíveis em nosso ser, mantendo-nos apenas atônitos sem qualquer reação mais efetiva do que doar alimentos e roupas, de forma robótica.
A postos e atentos iniciemos nosso discernimento a respeito dos fatos, sem engolir “goela abaixo” o que querem aqueles que por seus interesses detêm o poder para tal, desprezando análise orientadora sobre os fatos os utiliza para testar sua audiência e capacidade de penetração em nossos lares, avaliada através das, sempre bem vindas, doações.
Urge que, no mínimo, mude-se o discurso acusatório, redirecionando-se as responsabilidades a quem de direito e aproveitem-se os fatos para orientar e instruir.
Em suma, em fatos como o ocorrido, acima citado, somos levados a crer, simplesmente, em catástrofes provocadas pelos pobres que construíram onde não deviam e em políticos que agiram coniventemente com o caos. Quanto a estes (políticos), ataca-se seres digamos despersonalizados. Quanto àqueles (pobres) são utilizados de modo a até ficarem satisfeitos de estar sendo mostrados e ouvidos, como nunca o são. Ataca-se, ataca-se, mas sem realmente orientar para alguma mudança que, diga-se de passagem, não é vista com bons olhos. Afinal povo que efetivamente pensa e raciocina, age. È muito mais interessante um ‘big brother’ real.
É oportuno lembrar que em nossa ocupação e distribuição urbana a área central das cidades eram ocupadas pelos de maior posse. Passadas essas gerações que dominaram o núcleo central, sempre seguro das cidades, seus descendentes foram levados a crer, com fundamento nas premissas de insegurança, excesso de barulho, poluições, valorização COMERCIAL dos imóveis dessa região central e outros fatos que o melhor seria deixar o centro e se isolar em ilhas de segurança e bem estar em bairros ou locais mais retirados. Ocorre que ao se deslocar o poder econômico dentro da comunidade, aqueles que buscam seu sustento prestando serviços a esse, também migram e vão se ajeitando em cantinhos, beira de córregos, barrancos, sobras de terrenos, etc, logicamente para estarem mais próximos do local de possível trabalho, tudo com a conivência e apoio do detentor desse poder.
Assim o foi no passado quando a mão de obra habitava as cercanias da região central, mesmo que em morros, barrancos, beira de córregos. Em ambos os casos, presente e passado,barateia-se a mão de obra, tanto no que diz respeito ao transporte quanto à maior oferta da mesma.
Sabemos que os representantes pó líticos geralmente são eleitos e/ou em cargos mantidos graças ao apoio e mantença do poder econômico. E, como já dito, as responsabilidades não param nos políticos coniventes e pobres que constroem em locais indevidos.
Outro fato a se analisar, o volume de chuvas que provocou a catástrofe na região serrana fluminense, foi algo meio que inusitado, com precedente apenas em 1967 quando numa catástrofe parecida faleceu o dobro de pessoas. Mas tirando esse evento da região, logicamente todo ano chove, anos mais, anos menos. Sendo assim, não foi apenas a casa do pobre construída na beira do riacho, que desce do morro, que provocou a catástrofe. Até pelo contrário, esses pobres cidadãos DERAM SUAS VIDAS e poucos bens, para de alguma forma reter a avalanche que posteriormente atingiria a região das pousadas e caríssimos sítios e recantos. É bom lembrar que na região se encontra, por exemplo, a Granja Comari, sede da CBF que foi utilizada, apenas, como base dos helicópteros do exército a fazenda do Jóquei Clube do Rio que foi danificada, pois estava às margens de córrego da região e assim por diante. Aquela região desde o início de nossa colonização sempre foi utilizada como recanto de refúgio do poder econômico do Rio de Janeiro.
A alegação de que a habitação irregular provocou a tragédia não merece prosperar e deve ser retirada do inconsciente coletivo, como causa única ou primária dos fatos, pois os deslizamentos não se iniciaram nas cercanias dessas residências/aglomerados, vieram do alto da serra e ocorreram em diversas localidades. Foram inúmeros os deslizamentos de terra na região, assim sendo como se direcionar a responsabilização apenas para o pobre residente dentro das cidades atingidas?
Houve deslizamentos também em áreas rurais, alguns dentro de grandes propriedades. Surgindo assim o questionamento, por que não se falou nisso ou não se responsabilizou ninguém por isso também? O foco da coisa ficou sobre os pobres e suas hipotéticas construções irregulares e os políticos (enquanto abstração).
Merece também questionamento o fato de que pessoas que descansavam em pousadas e sítios de alto poder aquisitivo também foram vítimas das enxurradas e poucas ou nenhuma vez foram citadas ou sequer mostradas, diferentemente dos pobres que são exibidos, entrevistados e mostrados sugerindo capacidade e agilidade de informação. Essa mesma poderosa mídia que também é patrocinada pelo grande poder econômico. O fato é simples, pois possíveis danos, econômicos, morais, de imagem e seja lá de qual categoria for são mais expressivos se cometidos contra aqueles de maior vulto, ou não? E sendo assim quanto maior o cuidado e escolha para a exposição midiática melhor.
Há poucos anos o furacão denominado Katrina varreu New Orleans – EUA e região, em toda sua estrutura dentro do país que sustenta a denominação de ser um dos mais poderosos do mundo em clara demonstração de que a responsabilização é bem mais ampla do que a humilde construção irregular. Outro exemplo de que o fato causador das tragédias climáticas encontra-se bem acima das construções irregulares pode ser visto nas enormes inundações que estão ocorrendo na Austrália, onde mesmo sabendo com meses de antecedência que o fato ocorreria, algumas dezenas de pessoas perderam a vida, não eram pobres e suas construções não aparentavam ser irregulares.
Questiono ainda se a catástrofe climática na região serrana do Rio tivesse sido uma EXTENSA SECA, a quem se atribuiria a culpa? Aos políticos enquanto abstração ou aos pobres? O fato é que as respostas da natureza à nossa forma de ver o homem/planeta/mundo estão e estarão cada vez mais presentes em nossas vidas apresentando situações dramáticas, nos enchendo de angústia, indignação e medo.
Utilizando as manifestações da natureza precisamos rediscutir o quanto antes nossas orientações, bem agora que o neoliberalismo/capitalismo e demais orientações encontram-se em franco desmoronamento por seca/inundação/granizo/frio, o caminhar da evolução humana ou seja lá o que for.
Por: José Maria Tadeu Magalhães Silva / AMP
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